quinta-feira, setembro 21, 2006

 

Ratzinger em busca de Bento XVI

Tenho sérias dúvidas sobre as consequências positivas, a prazo, da sucessão de explicações desculpabilizadoras, por parte do Vaticano e do próprio Papa, a propósito do já célebre discurso proferido numa universidade alemã.

Desde logo, não há, na substância e no enquadramento do texto da polémica, motivo suficiente para a evidência pública de tanta mágoa por parte de Roma. A explicação que foi fornecida num primeiro tempo teria chegado para dissipar equívocos, conservando, por outro lado, intacta a margem de manobra do Vaticano no âmbito do desejável diálogo inter-religioso. A multiplicação de palavras e iniciativas "conciliatórias" a que se assistiu nos últimos dias debilita o edifício doutrinário da comunidade católica e fragiliza a imagem pública de um Papa que ainda busca o registo adequado de exercício do seu magistério.

As reacções da famigerada "rua árabe" foram, como é óbvio, incentivadas pela coligação de interesses entre os responsáveis fundamentalistas islâmicos e os tutelares dos poderes políticos autoritários de algumas das teocracias mais retrógradas do planeta. Vale sempre a pena recordar que se trata, na maioria dos casos, de países onde a distribuição da riqueza é de uma desigualdade gritante e a liberdade e o respeito pelos direitos humanos são uma ficção. Portanto, a mobilização popular com base na religião é uma ferramenta de dissuasão de eventuais contestações socio-económicas que possam pôr em risco a proveitosa sobrevivência dos interesses instalados.

Dito isto, não se deve, mesmo assim, simplificar o "estado do mundo" em matéria de potencial de conflito religioso alargado. As palavras de Ratzinger acabaram por tornar a vida ainda mais difícil aos chamados "muçulmanos moderados", um grupo pouco significativo em número e influência, mas importante numa perspectiva de futuro.

Ainda há dias, numa das suas cada vez mais raras intervenções públicas, Samuel Huntington sublinhava a relevância estratégica de um apoio inteligente, por parte do Ocidente, aos movimentos que, nesses países, defendem os ideais democráticos de uma sociedade laica. Manifestando-se contra a terapêutica anglo-americana aplicada no Iraque, Huntington não acredita na viabilidade de uma "democracia" implantada à força. Para o professor de Havard, será necessário esperar que esses grupos, hoje minoritários, ganhem apoio popular suficiente para a sobrevivência de um regime baseado num estado de direito democrático.

Há, neste processo, uma "janela" de oportunidade e acção para as democracias ocidentais e também, naturalmente, para os responsáveis máximos de uma religião, como a católica, que encontrou já o seu justo lugar nas sociedades laicas mais desenvolvidas.

É por isso que Ratzinger terá, em alguma medida, de sacrificar o seu fascínio pela História das Ideias (oportunamente recordado nestas páginas por José Medeiros Ferreira) à sabedoria milenar herdada pelas vestes de Bento XVI.

Além de tudo o mais, há, no curto prazo, a questão turca, onde se joga a capacidade de a Europa integrar uma das raras democracias de população maioritariamente islâmica - e, por essa via, contribuir para viabilizar a compatibilidade do islão com o laicismo. Essa será, assim se espera, uma das respostas mais inteligentes e eficazes aos devaneios fundamentalistas.

A Bento XVI pede-se que, pelo menos, guarde uma reserva prudente sobre a oposição que o cardeal Ratzinger em tempos manifestou relativamente à adesão da Turquia à União Europeia.

Nota

O primeiro número do semanário Sol confirmou a justeza da reacção preventiva por parte do Expresso. A alegada "ligeireza" de alguns dos conteúdos do novo jornal são pretexto fraco para subestimar uma publicação que revelou potencial de futuro. Foi só, é certo, um primeiro número e o Sol terá de evidenciar fôlego para, no mínimo, consolidar patamares razoáveis (acima dos 50 mil exemplares) de venda durante a ofensiva demolidora do marketing do Expresso. Por isso, prognósticos mais seguros, só lá para o Natal...

Mário Bettencourt Resendes

Artigo-opinião do jornal Diário de Notícias.


 

Bloco comenta as propostas do Compromisso Portugal

Comunicado de imprensa

Alegre irresponsabilidade a prometer o paraíso em cada esquina

O Compromisso Portugal apresentou hoje, com grande espavento, as suas propostas para o país.

O Bloco regista os seguintes comentários:

1. O Bloco leva a sério as propostas do Compromisso Portugal e discute-as em conformidade. Um dos promotores do Compromisso é o director da campanha presidencial de Cavaco Silva, e entre os seus porta-vozes encontram-se hoje alguns dos principais empresários bem como políticos da direita e do PS (nomeadamente, ex-governantes de Guterres e de Sócrates). Estes homens são dos mais poderosos do país, e têm tido todas as oportunidades de fazer valer as suas propostas. O seu programa actual é o programa da direita social. A esquerda que se bate contra a decadência e a crise social deve apresentar uma alternativa contra este programa.

2. Registamos também as propostas demagógicas e irresponsáveis: cortar 200 mil funcionários públicos é uma proposta sem qualquer fundamentação ou estudo prévio. Onde vão ser retirados estes funcionários: nas autarquias? Na saúde? Na educação? Noutros serviços fundamentais? Na administração dos ministérios? A proposta tem unicamente um fundamento: um preconceito ideológico contra os serviços públicos. O Compromisso levanta aliás o véu ao indicar que seria na saúde e na educação que seriam despedidos mais funcionários públicos, porque sugere o aumento do ensino e da saúde privados com a anterior destruição desses sectores públicos. Ora, acontece que os hospitais privados e o ensino privado são, em geral, de pior qualidade do que os públicos; são mais caros; dependem igualmente do Orçamento de Estado; e não garantem a cobertura universal, porque têm como razão o lucro e não as pessoas.

3. O Compromisso quer privatizar. Mas só quer privatizar monopólios: é sempre negócio garantido.

4. Mas é na Segurança Social que as propostas do Compromisso são mais graves - e são as que foram preparadas por ex-governantes socialistas. A criação de um desconto obrigatório para um fundo de pensões com o encerramento da actual Segurança Social é errada porque:

a) Os fundos privados têm, em todos os anos desde 2000, pior rentabilidade do que o fundo público. Se a segurança social for entregue às seguradoras, os trabalhadores ficam desde logo a perder. Só por preconceito ideológico absurdo é que o Compromisso quer negar este facto.

b) A ideia de pagar com dívida pública o buraco gigantesco que se criaria na segurança social é irrealista: Portugal já tem um nível de dívida pública acima dos 60% permitidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, e com a proposta do Compromisso passaria para 160% na próxima geração, o que é manifestamente impossível - nunca seria aceite pela União, aumentaria dramaticamente os juros de referência.

c) O país escolheu um sistema público que tem contas individuais, que tem capitalização com regras prudenciais e que é eficiente - mais do que os privados. Destruir estes sistema seria um atentado contra a democracia.

Comunicado de imprensa do Bloco de Esquerda.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?