domingo, julho 02, 2006

 

‘Global blues’

Che Guevara é um símbolo da globalização. O ícone do pensamento radical tomou de assalto o Victoria & Albert Museum de Londres. O “Guerrilheiro Heróico” transformou-se num ‘fétiche’ do ‘design’ internacional. O “Apóstolo da Revolução” percorre o universo da cultura pop em versão ‘radical chic’. Entre o ‘kitsh’ e as referências clássicas ao cristianismo, Che Guevara exibe um distante conteúdo político. E não me refiro à invocação nostálgica tão ao gosto dos “revolucionários” do nosso tempo. Refiro-me sim a um conjunto de causas típicas de um mundo globalizado e às quais Che Guevara empresta o ‘charme’ da acção radical – o perdão da dívida, o anti-americanismo, a identidade da América Latina, o direito dos “povos indígenas”, o “movimento gay” internacional, as ONG’s à dimensão planetária, a “alter-globalização” de rosto social. Che Guevara é uma abstracção ideal, e na sua infinita maleabilidade, tornou-se na imagem por excelência de uma nova “revolução neoliberal” – a globalização.

Mas a globalização não é a “fatalidade” que a Esquerda combate, nem será certamente a “marcha irreversível da história” que uma certa Direita defende. O rápido processo de integração internacional dos mercados, dos serviços, dos capitais, do trabalho e do conhecimento, resulta sobretudo de uma lógica de cooperação entre os Estados-Nação. É do senso comum afirmar que a globalização reduz a capacidade do Estado-Nação para exercer alguma influência sobre o conjunto de transacções económicas que ocorrem à escala global. É do senso comum afirmar que as “organizações trans-nacionais”, sejam elas políticas (UN), económicas (NAFTA), sejam elas combinações da acção política e da regulação económica (EU), reduzem e limitam a eficácia das decisões ao nível do Estado-Nação. É ainda do senso comum afirmar que a multiplicação de “centros de poder”, simultaneamente ao nível supra-nacional e à dimensão sub-nacional, ameaçam a “velha soberania” do Estado-Nação. Poderá parecer estranho, mas as ironias do mundo não reconhecem os escassos limites da imaginação humana. A globalização poderá ser uma “ameaça” para o Estado-Nação. No entanto, sem a cooperação internacional entre Estados-Nação a globalização não será mais que um modelo no compêndio da economia política.

Basta uma leitura da História para confirmar esta tese. A mais recente “idade da globalização” terminou em 1914. Os anos que antecederam a Grande Guerra conheceram a erosão do comércio internacional, a aplicação de políticas proteccionistas, a restrição ao movimento de pessoas e capitais. Estas tendências terão estado na origem do desastre da década de 30. Na designação de Niall Ferguson, o mundo terá optado pela via da “globotomia”. Após 1945, a cooperação não terá sido a principal característica do mundo da Guerra Fria - o mundo dividido pela competição ideológica entre modelos económicos inimigos.

Problema ou solução, o fim da globalização não é uma utopia revolucionária ao estilo de Che Guevara.

Carlos Marques de Almeida

NaturezaDasCoisas@gmail.com

Artigo do jornal Diário Económico

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