sábado, julho 01, 2006

 

Por uma esquerda credível


O PS tem um projecto. O que deveria permitir falar (uma pouco mais) a fundo, quando a dúvida das pessoas parece tudo absorver. Lamentar-se-á na presente situação, uma hierarquização insuficiente das nossas ideias: ora, todos sabemos, uma campanha articula-se geralmente me torno de dois ou três compromissos simbólicos.

Mas, o essencial está mesmo na identidade que este texto revela: resolutamente progressista, sem semelhança possível com o que direita exprimirá de si própria. É fundamental. Porque a democracia tem sempre necessidade de propostas diferentes. O dever da esquerda é portanto investir nas áreas de reflexão que a direita ignora ou subestima. Mais, os termos duma alternativa politica são claros, menos os riscos de dispersão do eleitorado – o “bug democrático” – são importantes. A matéria está lá, abram-se as perspectivas reais. Europeu, internacionalista, este projecto coloca a transformação social no meio da sua ambição, ou seja, um tratamento político do real. Lá integram-se as orientações que traduzem uma visão largamente renovada da nossa organização colectiva: segurança nos percursos profissionais, luta contra as desertificações social e territorial, efectiva igualdade entre homens e mulheres, ou uma reforma institucional profunda.

Penso ser tão importante como os socialistas assumem a diminuição em causa de uma concepção mecanicamente productivista da nossa economia. Ela está presente (ainda timidamente) neste texto, mas parece-me doravante necessário levar corajosamente esta perspectiva. Diremos nós aos Franceses que o nosso modelo de desenvolvimento, no final de contas, nos conduziu, rapidamente, ao impasse? Rarefacção dos recursos naturais, efeito de estufa, explosão dos custos, implica evoluções profundas. A França, a Europa estão condenadas a mudar de lógica, a repensar o seu modo de produzir e de consumir, afim de tornar compatíveis a criação de riqueza e a preservação do nosso meio ambiente. Utópico? Não. Esta transformação pode ser sinónimo de crescimento e de emprego.

Tomem um único desafio: o de tratar os nos nossos desperdícios: implica um reforço rápido dos nossos meios de triagem e de reciclagem. Três quartos das províncias francesas fazem face a esta urgência. Novos mercados podem surgir: empregos de inserção, actividades de serviço ou empregos altamente qualificados que recorrem à inovação, por conseguinte, à investigação. Outro cenário, o investimento público a favor de habitações de alta qualidade ambiental, permitiria no momento relançar ao mesmo tempo a construção e responder ao desafio de justiça social: por exemplo, melhorar o isolamento térmico duma construção influencia positivamente a factura da energia dos seus ocupantes diminuindo ao mesmo tempo a sua exposição à poluição urbana. Diversificar as nossas fontes de energia, colocar no terreno um fiscal-ecológico, modificar progressivamente o nosso modelo de desenvolvimento: apostar, por isso, que estas orientações não sejam o centro do projecto do UMP (Union pour un Mouvement Populaire)¹. É acima de tudo um imperativo. Vital.

Apenas a esquerda, hoje, pode fazê-lo de maneira credível. Toda a esquerda, para lá do PS naturalmente. Essa, em todo o caso, que quer realmente mudar a vida quotidiana dos franceses. É ela, também, ser “anti-liberal”. Recusar que uma doutrina económica imponha as suas regras no lugar de “valores” que supostamente organizam a nossa vida colectiva. Particularmente quando descasam, ainda e sempre, sobre a destruição dos nossos recursos naturais. Esta preocupação é maioritária no seio da população francesa. É necessário encontrar uma resposta. Por actos, pela audácia, por uma mudança que não se nutra de velhas concepções, mas que traduza a compreensão dum mundo em movimento.

Da minha parte, continuo a pensar que a criação de riqueza e a sua justa distribuição continua a ser um objectivo legítimo, que a empresa não rima forçosamente com opressão e que um peso gigante do Estado não é nem um promessa de progresso nem uma garantia de democracia. E obstino-me a dizer que a social-democracia não é a inimiga da mudança social. É ela, a social-democracia, o único instrumento verdadeiramente capaz. Fundada sobre os compromissos (não, não é uma gorda palavra), a expressão democrática dos poderes e da clareza do pacto levado a cabo entre o povo e o poder que este designou. Dentro deste espírito, fiz algumas alterações ao actual projecto socialista, convencido de que podem tornar o nosso compromisso ainda mais nítido.

Deste modo, proponho adoptar o princípio de uma cumulação estrita de mandatos no tempo: serão autorizados, de acordo com a minha proposta, dois mandatos executivos consecutivos (para os presidentes de câmara, por exemplo) e três mandatos deliberativos (para os deputados, nomeadamente). Por outro lado, sobre um assunto completamente diferente, desejo que a esquerda, se quer voltar a ser a maioria neste pais, se comprometa a reembolsar os organismos locais das somas que o Estado, dirigido pelo UMP, lhes roubou, a propósito da descentralização. E a prioridade estaria nas despesas ligadas ao RMI (Revenu minimum d'insertion), medida, e de que maneira, simbólica da nossa solidariedade nacional. Esta preocupação de lealdade no que diz respeito aos cidadãos deve igualmente se verificar no domínio social.

Deste ponto de vista, como não simpatizar com clareza de certos compromissos contidos no projecto dos socialistas, por exemplo, sobre o casamento entre sobre pessoas do mesmo sexo ou sobre a homoparentabilidade²? Dentro do mesmo espírito, depositei uma alteração que propõe a elaboração duma lei sobre o direito de morrer em dignidade. Esta formulação não figura, na prática, no texto dos socialistas. A hipocrisia da nossa sociedade estoirou no entanto aquando do processo de Vicent Humbert. Hoje, com efeito, a sua mãe e o seu médico permanecem “culpados” perante a lei, mesmo se escaparem a um condenação. A democracia ganha sempre com a rigor dos seus compromissos. O que implica assumir as suas convicções. E de oferecer assim aos cidadãos, os termos de uma verdadeira alternativa.

Bertrand Delanoë
é presidente da câmara de Paris e membro conselho nacional do PS. (traduzido por João Entresede)
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1 Coligação de direita

2 Adopção de crianças por casais do mesmo sexo.


Artigo publicado no jornal Le Monde, dia 1.07.06

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