sábado, julho 08, 2006

 

Quando a esquerda reavalia o modelo escandinavo

A social-democracia escandinava teve sempre um estatuto ambíguo em comparação com a esquerda francesa. Aos olhos dos comunistas, evidentemente, os partidos socialistas da Europa do Norte eram considerados de excomungados. Tinham renunciado à revolução e praticavam a “colaboração de classes”. O caminho tomado pelo comunismo era: inúmeros socialistas afectos a tratarem com condescendência os partidos “irmãos” simpáticos, mas que se comportavam como super sindicatos, negociando melhores condições de vida dos trabalhadores sem pôr em questão a ordem estabelecida.

No entanto, na Suécia, na Noruega, na Dinamarca, na Islândia e, em condições especiais durante muito tempo, na Finlândia, a esquerda reformista soube adquirir um poder e legitimidade que suscitaram o envio de homólogos franceses. Nestes países, é quase natural que a população, a mais numerosa, a dos assalariados, detenha o poder, e que este retorne aos partidos mais bem implantados nesta classe social.

Em França, ao mesmo tempo, os socialistas estavam em dupla guerra: à suspeita da direita, para que a sua presença no governo fosse ilegítima, e a extrema-esquerda, para que não pudesse chegar lá e trair os seus compromissos.

Se a quota da social-democracia escandinava está hoje em alta, isto não é devido à antiguidade do seu enriquecimento, nem porque as suas conquistas seriam objecto e uma reavaliação retrospectiva. É acima de tudo, porque a maioria dos partidos que a compõem, antes de ter sofrido a crise do Estado Providência, com os quais se identificam, souberam reconquistar terrenos que tinham perdido. Os sistemas suecos ou dinamarqueses tornaram-se modelos, associando a protecção social e competitividade. As vantagem da gestão social-democrata são bastante claras para que, neste países, uma maioria dos eleitores a escolha.

Quando Ségolène Royal vai à Suécia, como o fez esta semana, mostra que a sua ambição se inscreve num socialismo europeu ao mesmo tempo antigo e inovador. Aos que a acusam de blarismo – por outras palavras: traidora –, responde que a esquerda reformista mais a norte soube assumir, nos países escandinavos, o preço da adaptação à concorrência económica mundial.

Reside uma diferença essencial, no entanto, entre os socialistas da Europa do Norte e o socialismo francês. Resulta da divisão histórica do movimento operário francês entre o sindicalismo e o parlamentarismo. É a famosa carta de Amiens, que data exactamente de um século e pela qual a Confédération Syndicale du Travail (CGT), única da sua espécie, construiu um muro entre a acção sindical e a acção politica.

Certamente, esta carta foi abundantemente violada, principalmente durante o longo período em que a CGT era dirigida efectivamente pelo Partido Comunista. Mas a separação do princípio, proclamado em 1906, teve por consequência que as organizações dos assalariados não estivessem comprometidas, em França, por nenhum projecto político reformista. Medem com desconfiança estes partidos cuja única e principal preocupação está, aos seus olhos, colectar vozes para se repartir os postos. O sindicalismo francês não se considera verdadeiramente como co-responsável do sucesso de um governo de esquerda. No que diz respeito aos assalariados, os sindicatos e os partidos são cada vez mais rivais do que parceiros.

Esta falta de aliança tem consequências nos dois lados. Priva os partidos do pragmatismo de interesse salarial, bem entendido, e limita o campo de luta sindical. Mas a conversão da esquerda francesa em social-democracia não pode ser adiada para amanhã.

Patrick Jarreau (traduzido do francês por João Entresede)

Artigo do jornal Le Monde, publicado no dia 8.7.06


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