segunda-feira, julho 24, 2006

 

Tolerância zero contra um certo jornalismo

A manchete do “Público” de segunda-feira, 17, «Mísseis do Hezbollah matam civis na cidade mais tolerante de Israel», é um insulto à inteligência dos leitores. Uma prática jornalística que deve merecer tolerância zero.

Sublinha-se a morte de civis como se isso não acontecesse com as bombas de Israel. E junta-se a pitada da «cidade mais tolerante», que é um conceito que só existe na cabeça de quem fez o título, para agravar o acto.
Em que difere Haifa das outras cidades israelitas para merecer o título de mais tolerante?
Para o “Público” parece ser o facto de conviverem árabes, judeus, drusos, etc..

Mas não é isso que acontece noutras cidades israelitas, como Telaviv e Jerusalém? Acaso o estatuto dos árabes é diferente em Haifa? Quem assim caracteriza a vida em Haifa ignora, ou omite, que entre os seis milhões de habitantes de Israel há um milhão de árabes, dos quais apenas 25 mil vivem em Haifa. Para não falar dos palestinianos que cruzam diariamente os postos de controlo para trabalharem em Israel.

Mas isso é apenas um aspecto formal. Mais importante, o titulo surge ao arrepio da generalidade da imprensa europeia e dos jornalistas americanos sérios, que dão o devido relevo à morte de civis no Líbano, em resultado dos bombardeamentos israelitas, e à destruição impiedosa e gratuita do país. Compare-se o tratamento dado, em primeira página, por alguns jornais de todo o mundo, no dia desta manchete do “Público”.

O prestigiado e insuspeito «site» Editor&Publisher destaca o trabalho de dois jornalistas americanos que se encontram em Beirute. Um deles, Anthony Shadid, é um prémio Pulitzer recente e escreve para o “Washington Post”. Numa das últimas correspondências, Shadid põe em evidência o carácter «assimétrico» da guerra. Megan Stack, por sua vez, descreve em “Los Angeles Times” o cenário de destruição do Líbano, com pontes e estradas desfeitas e crianças ensanguentadas. Uma realidade bem distante do título melodramático do “Público”.

Um dia antes, o director do jornal assinou um editorial em que conseguiu a proeza de não encontrar um só motivo negativo na actuação de Israel.

Sabe-se que José Manuel Fernandes visitou recentemente Israel a convite do ministério israelita dos Negócios Estrangeiros, mas as posições que subscreve têm raízes mais longínquas.

O alinhamento editorial do “Público” com as posições da direita americana não é novo.
Um dos mais chocantes exemplos aconteceu há 14 anos, quando as tropas americanas desembarcaram na Somália e o “Público” qualificou, em título, a operação como «uma guerra humanitária». E não há notícia de que os responsáveis pelo dislate tenham corado.

Como é evidente, o “Público” tem o direito de servir as causas que escolher. Tem o direito de ser um Cavaleiro da Imaculada integrado no 7.º de Cavalaria. O que não fica bem ao jornal é querer ser uma coisa e tentar passar por outra.

Repare-se no que aconteceu com um artigo de Teresa de Sousa, outra pena laudatória da Pax Americana, publicado na edição de 27 de Junho de 2006. A autora defende fervorosamente a união de facto da Europa com os Estados Unidos e invoca, para fundamentação dos seus argumentos, «uma reputada especialista francesa de relações internacionais», Therese Delpech, e « outro analista francês», Dominique Moisi.

Teresa de Sousa achou por bem não informar os leitores do “Público” sobre as qualificações e independência de tais autoridades.

A «reputada» Therese Delpech é, entre outras coisas, membro do conselho directivo do ultraconservador Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, e membro do conselho consultivo para a Europa da Rand Corporation. Faz parte do grupo Bilderberg desde 2005.
Quanto a Dominique Moisi, é membro europeu da Comissão Trilateral e tem ligações ao Council on Foreign Relations.

São conhecidas as relações entre o grupo de Bilderberg, a Trilateral, o Council on Foreign Relations e a Rand Corporation. Ou seja, Delpech e Moisi, apresentados como autoridades insuspeitas, são, na realidade, dois membros activos da superestrutura de produção ideológica do neoliberalismo.

Como estou com a mão na massa, lembro que entre os membros famosos da Rand Corporation se encontram figuras como Donald Rumsfeld, Condoleeza Rice e Lewis Libby (antigo conselheiro de Dick Cheney), além do nosso conhecido e eternamente presente Frank Carlucci.

Fecho com o mais recente título do Publico.pt:

"Rocket" disparado pelo Hezbollah cai junto a hospital israelita.

Neste momento, há registo de 24 mortos israelitas e 200 libaneses

João Alferes Gonçalves

Artigo opinião do site Clube de Jornalistas


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