sexta-feira, setembro 22, 2006

 

O papa Bento XVI e o Islão

O papa Bento XVI, mais teólogo que politico, teve, terça-feira, 12 de Setembro em Ratisbonne, Alemanha, um discurso politicamente incorrecto sobre a tentação da violência no Islão. Cinco anos depois do 11 de Setembro, face às crescentes vagas de islamofobia, esperaríamos do papa um discurso mais comedido sobre a religião muçulmana e uma recusa da amálgama entre Islão e islamismo.

A obsessão deste papa alemão é o desmoronamento da fé e da memória das raízes cristãs numa Europa “surda” a Deus. Uma Europa secularizada, que se enfraquece face a um Islão classificado de concorrente. Aos olhos de Bento XVI, a fé sem razão é um campo aberto, e a razão é o melhor antídoto contra a “doença mortal” de todas as religiões: o fundamentalismo. E isto porque o Islão não poderia nunca fazer esta auto-critica, pois estaria pouco preparado para a modernidade e tão permeável à violência fanática.

O argumento é capcioso se quisermos admitir que, de Al-Tabari a Averroès, e aos reformistas do século XIX, a história do pensamento islâmico não esteve ligado à razão, palavra citada quarenta e cinco vezes no Corão. Os propósitos do papa chocaram, portanto, o mundo muçulmano, que, depois de quarenta anos de diálogo aberto pelo concilio do Vaticano II (1962-1965), teme a reavaliação – em baixa – do relatório da Igreja católica com o Islão.

O que nem é completamento verdadeiro, nem completamento falso. Desde da sua eleição, Bento XVI reafirmou o seu desejo de diálogo com o mundo muçulmano. A Igreja católica não pode fugir a um encontro que contribui para a paz. Não mais que o cristianismo, o Islão não é um muro. Tanto quanto o Islão, o cristianismo teve na sua história a sua cota parte de violência.

Mas Bento XVI não se propõe dialogar à maneira de João Paulo II, campeão das assembleias de oração como em Assise, Itália. Privilegia os impasses: ausência de interlocutores representativos, diálogo teológico impossível, perpetuação de praticas que nenhuma reflexão critica vem contradizer – apostasia e blasfémia condenados à morte, ou proibição de todos os cultos minoritários em alguns países muçulmanos – Arábia Saudita, por exemplo. Além disso, o chefe da Igreja católica não pode ficar sem reacção face aos cristãos em terras do Islão: na Turquia, três padres foram mortos desde da publicação das caricaturas de Maomé, enquanto no Paquistão e na Nigéria queima-se igrejas.

Tantas são as realidades e as violências que os responsáveis do Islão não podem nem ignorar nem esconder. Quanto ao diálogo entre religiões, seria evidentemente mais produtivo se os responsáveis muçulmanos mais moderados não deixassem o campo aberto aos islamitas fundamentalistas. Do lado de lá, também, é necessária uma explicação.

Editorial do jornal Le Monde (traduzido por: joão Entresede).

Artigo publicado na edição do dia 16.09.06.

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